De acordo com a aplicação literal da Lei vigente, não há impedimento no reconhecimento da união estável no período de convivência anterior ao casamento, mas, a partir do casamento, tal união se transforma em concubinato (simultaneidade de relações). Foi que o decidiu recentemente, por unanimidade, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O Tribunal chegou a esse entendimento ao julgar o recurso especial interposto por uma mulher. Ela, que teve o nome mantido em sigilo, conviveu por três anos com um homem antes que ele se casasse com outra, e manteve com ele o relacionamento por mais 25 anos concomitante ao casamento. Ao STJ, a recorrente reiterou o pedido de reconhecimento e dissolução da união estável, com partilha de bens em triação .
Concubinato é um termo jurídico que define a união de duas pessoas em uma relação não eventual, ou seja, relativamente duradoura, quando ambos ou um deles encontra-se impedido por ser casado civilmente. Tal relacionamento não pode ser reconhecido como união estável, por força do artigo 1.727 do Código Civil de 2002.
A decisão em comento específica, de maneira nítida, a diferença entre “concubinato” e “união estável”, salientando a importância da lealdade dentro do nosso ordenamento jurídico, que adota o princípio da monogamia.
O Direito das Famílias passa por mudanças constantes, que buscam adequar o ordenamento jurídico a atual realidade social e familiar em que vivemos, mas não se pode desprezar o fato de que a legislação brasileira ainda refuta a bigamia, de modo que a decisão do STJ considerou a aplicação literal da lei.
No caso em foco, os Desembargadores decidiram que não cabe também a partilha de bens em três partes iguais (triação), mesmo que o início da união tenha sido anterior ao matrimônio.
Inicialmente, o juiz de primeira instância acolheu o pedido da mulher e reconheceu todo o período de convivência como união estável, com a consequente partilha em triação. Porém, atendendo a um recurso do casal, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) reformou a sentença, entendendo que o casamento deve prevalecer sobre o concubinato.
A justificativa apresentada pela relatora do caso no STJ, a ministra Nancy Andrighi, se amparou na jurisprudência segundo a qual “é inadmissível o reconhecimento de união estável concomitante ao casamento, na medida em que aquela pressupõe a ausência de impedimentos para o casamento, ou, ao menos, a existência de separação de fato”.
A magistrada também lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF), em situação análoga, fixou a tese de que a preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes impede o reconhecimento de novo vínculo, em virtude da consagração da monogamia pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Desse modo, Nancy Andrighi reconheceu como união estável apenas o período de convivência anterior ao casamento. Segundo ela, a partilha referente a esse intervalo, por se tratar de união anterior à Lei 9.278/1996 é considerada como sociedade de fato, a qual, infelizmente, requer prova do esforço comum na aquisição do patrimônio para fins de partilha, nos termos da Súmula 380 do STF.
A relatora destacou ainda, que a recorrente e o recorrido tiveram dois filhos durante o concubinato que durou 25 anos, e que a relação era conhecida por todos os envolvidos.
Nancy Andrighi apontou ainda que, resguardado o direito da esposa à metade dos bens (meação), a partilha com a concubina deve ser feita em liquidação de sentença, uma vez que as instâncias ordinárias não mencionaram se há provas da participação desta na construção do patrimônio ou, quais bens fazem parte da meação da esposa.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.
Enfim, nem sempre a decisão correta é a mais justa. É possível que a mulher, aqui tida como concubina nessa decisão, tenha sido muito mais presente e importante nas conquistas patrimoniais das famílias que a oficialmente casada, no entanto não se pode desprezar a legislação vigente e afrontar todo o ordenamento jurídico, sob pena de entrarmos em uma anarquia jurídica. Mas sim, podemos aproveitar a ocasião para batalhar pela alteração da Lei, que deve ser adequada as demandas e evoluções atuais, com vistas à oferecer maior segurança jurídica as famílias, em respeito ao princípio da solidariedade humana e igualdade, independente da formalidade adotada. Aí sim, poderemos ter uma decisão correta e justa.