A carta aberta publicada pela atriz Klara Castanho, de 21 anos, sobre o vazamento de informações do seu prontuário médico após ter sido submetida a um aborto expõe falhas graves do hospital e de profissionais que têm a obrigação legal de proteger o sigilo da paciente. Ela revelou ter sido vítima de um estupro e que entregou a criança para adoção após o nascimento, seguindo todos os trâmites legais. Protegendo a si e a criança.
Após a exposição do fato, internautas criticaram Klara Castanho e apontaram “falta de responsabilidade” da artista. Mesmo sem terem certeza do que aconteceu, a atriz foi julgada e atacada.
“Pelo que a Clara anunciou na carta aberta, ela passou por todos os trâmites. O procedimento que ela diz ter feito, de ter passado por um psicólogo, depois em uma audiência com juiz, Ministério Público e Defensoria Pública é o trâmite normal. Passa por uma psicóloga primeiro para entender se a gestante ou a mulher que acabou de dar a luz está, realmente, em plena consciência do que quer fazer ou se está tomada por outro sentimento. Neste caso, foi feito tudo certinho e ela não cometeu crime nenhum. Ela está amparada pela lei”, avalia a dra. Karine Bessone, especialista em Direito de Família.
Neste caso, a atitude tomada pela atriz foi a de preservar a vida da criança, diferentemente do que ocorre em outros casos, quando a mulher opta pelo aborto. Este procedimento é autorizado no Brasil, ou seja, não é crime em três situações: perigo de vida para a gestante, quando é decorrente de estupro ou por decisão do Supremo Tribunal Federal no caso de fetos anencéfalos. E qualquer mulher que tenha filho e queira entregá-lo para a adoção tem esse direito, protegido por lei, garantindo até o sigilo.
Na carta aberta, Klara também conta que, ainda anestesiada, foi abordada por uma enfermeira que estava na sala de cirurgia ameaçando-a, citando o risco que a atriz corria se o procedimento ao qual acabara de ter sido submetida viesse a público, fosse informado a um colunista de fofoca bastante conhecido no Brasil.
“Ela fez uma ameaça. Ameaçou entregar o que deveria ser um sigilo. Lembrando que a Klara estava respaldada pela lei, inclusive na questão do sigilo. Tanto ela, quanto a criança.
A atriz entregou o bebê que estava inscrita no cadastro nacional de adoção. O que a enfermeira fez, ao meu ver, além de infringir o Código Penal, foi infringir o código de ética da profissão. Com certeza ela vai responder administrativamente, com possíveis sanções, e também criminalmente”, salienta dra. Karine Bessone.
O vazamento de prontuário de um paciente é criminoso. A enfermeira poderá perder a licença para trabalhar na sua profissão e ainda ser processada. E o colunista responsável por expor o caso pode ser indiciado por ter cometido o crime de difamação, que é o que é o de revelar e/ou expor fatos privados – a privacidade de Klara Castanho não é um assunto de interesse público. Mesmo antes da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) isso já estava caracterizado. Todo mundo tem direito à ampla defesa, mas neste caso, é preciso averiguar e que sejam feitas as devidas punições.
Os conselhos Federal e Regional de Enfermagem estão apurando a denúncia feita pela atriz.
Um outro caso envolvendo vazamento de prontuário de pessoa pública que teve bastante repercussão ocorreu em 2017. Em um grupo de WhatsApp, uma médica do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, compartilhou dados sobre o estado de saúde da ex-primeira dama Marisa Letícia Lula da Silva, que logo viralizaram. O hospital demitiu a profissional por justa causa.
Promessa não cumprida
“Eu estava em um hospital, um local que supostamente deveria me acolher e me proteger. Quando cheguei no quarto, já havia mensagens do colunista com todas as informações. Ele só não sabia do estupro. Eu ainda estava sob o efeito da anestesia”, relatou Klara Castanho na carta aberta.
A atriz contou, ainda, que conversou com o colunista, explicou a situação, e ele prometeu não publicar. Só que não foi isso o que aconteceu. E a história se tornou pública, gerando um debate intenso na sociedade – inclusive com manifestações nas redes sociais solicitando a demissão do colunista do site para o qual ele trabalha. Inclusive a empresa emitiu nota bancando a permanência do jornalista em seu quadro de funcionários. No comunicado, além de informar que ele continuará divulgando a coluna e as entrevistas, o site reconheceu o erro e pediu perdão à Klara Castanho por expor as informações sigilosas.
Os fatos relatados pela atriz Klara Castanho demonstram violação de artigos da Constituição Federal, do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor, além de resoluções dos conselhos profissionais.
Podem ser movidas ações indenizatórias contra a enfermeira e também contra o hospital. Importante que este caso sirva de alerta para que profissionais e unidades de saúde revisem seus códigos de conduta.