“Não me amola, bruaca”.
Assim o personagem moralista e preconceituoso Tenório, interpretado por Murilo Benício, respondeu à mulher, Maria (papel da atriz Isabel Teixeira) quando ela o convidou para deitar, em um capítulo da novela Pantanal, reedição que está fazendo sucesso na TV Globo. Mesmo após ter sido tratada com desprezo, ela ainda perguntou ao marido o que estava acontecendo, e recebeu uma outra má resposta.
“Não está acontecendo nada que seja do seu interesse. Me deixa em paz’, disse Tenório.
É um diálogo de ficção, mas que pode acontecer em muitos lares. Uma relação reveladora sobre a violência contra a mulher no Brasil. Violência que não precisa ter agressão física para ser considerada como tal. Na sequência, ao mudar de assunto e comentar sobre um barulho, que ela julgou ser de avião, recebe mais uma truculência em forma de palavras:
‘Avião no meio da noite? Você é burra ou o que, hein, bruaca?”.
Enraizada em séculos de dominação masculina, a violência contra mulher é uma das violações de direitos humanos. A primeira agressão, geralmente, chega em forma de linguagem. E pode causar traumas emocionais, ajudar a disseminar preconceitos (como machismo e misoginia), atitudes agressivas e, até mesmo, chegar ao feminicídio.
“Situação lamentável, mas que é a realidade de muitas mulheres. No Brasil, muitas sofrem abuso por falta de conhecimento técnico, social e psicológico para reconhecer tal fato. Nossa sociedade é extremamente machista, em que a mulher deve obediência ao marido. A Maria Bruaca, até pelo nome que é chamada, é uma situação de abuso, uma situação vexatória”, destacou dra. Karine Bessone, advogada especialista em Direito de Família.
Agressão não é só física
Muitas mulheres ainda acreditam que só devem buscar ajuda quando há agressão física. A violência doméstica vai muito além da agressão física ou do estupro. A Lei Maria da Penha (11.340/2006) classifica os tipos de abuso contra a mulher nas seguintes categorias: violência patrimonial, violência sexual, violência física, violência moral e violência psicológica. Humilhar, como faz o personagem Tenório com a esposa Maria, é uma delas.
“Muitas vezes a mulher tende a replicar o modelo que vemos em casa, que é a nossa primeira escola emocional e social. Quando se tem uma família onde a mãe é abusada, a mulher cresce com a tendência de ser abusada. Ou com perfil abusadora, por medo de ser abusada. A Maria Bruaca aceitou ser submissa e passou anos vendo a vida pela janela da cozinha. Uma realidade, infelizmente, muito frequente na nossa vida social.
Me senti penalizada ao assistir à novela. E por me lembrar de mulheres que conheço que veem a vida por meio dos olhos do marido. Isso é alarmante, pois elas se esquecem quem são, do que gostam”, comentou dra. Karine Bessone.
O site do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos listou algumas formas de agressões que são consideradas violência doméstica no Brasil. Saiba como reconhecê-las:
- Humilhar, xingar e diminuir a autoestima. Agressões como humilhação, desvalorização moral ou deboche público em relação a mulher constam como tipos de violência emocional.
- Tirar a liberdade de crença. Um homem não pode restringir a ação, a decisão ou a crença de uma mulher. Isso também é considerado como uma forma de violência psicológica.
- Fazer a mulher achar que está ficando louca. Há, inclusive, um nome para isso: o gaslighting. Uma forma de abuso mental que consiste em distorcer os fatos e omitir situações para deixar a vítima em dúvida sobre a sua memória e sanidade.
- Controlar e oprimir a mulher. Aqui o que conta é o comportamento obsessivo do homem sobre a mulher, como querer controlar o que ela faz, não deixá-la sair, isolar sua família e amigos ou procurar mensagens no celular ou e-mail.
- Expor a vida íntima. Falar sobre a vida do casal para outros é considerado uma forma de violência moral, como por exemplo vazar fotos íntimas nas redes sociais como forma de vingança.
- Atirar objetos, sacudir e apertar os braços. Nem toda violência física é o espancamento. São considerados também como abuso físico a tentativa de arremessar objetos, com a intenção de machucar, sacudir e segurar com força uma mulher.
- Forçar atos sexuais desconfortáveis. Não é só forçar o sexo que consta como violência sexual. Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto ou repulsa, como a realização de fetiches, também é violência.
- Impedir a mulher de prevenir a gravidez ou obrigá-la a abortar. O ato de impedir uma mulher de usar métodos contraceptivos, como a pílula do dia seguinte ou o anticoncepcional, é considerado uma prática da violência sexual. Da mesma forma, obrigar uma mulher a abortar também é outra forma de abuso.
- Controlar o dinheiro ou reter documentos. Se o homem tenta controlar, guardar ou tirar o dinheiro de uma mulher contra a sua vontade, assim como guardar documentos pessoais da mulher, isso é considerado uma forma de violência patrimonial.
- Quebrar objetos da mulher. Outra forma de violência ao patrimônio da mulher é causar danos de propósito a objetos dela, ou objetos que ela goste.
“É preciso pontuar situações, de maneira clara, para o seu companheiro. Se você sabe o que você quer e o que gosta, vai saber ser incisivo. Se não souber, estará demonstrando fraqueza. Apesar do amor que você sente pelo outro. O fato de você pontuar o que não gosta, não significa que não goste do outro. Significa que você gosta de si próprio, que você se ama, e não quer amar o outro a ponto de se machucar. Ninguém é obrigado a isso”, finalizou dra. Karine Bessone.